Rubrica TVRURAL
‘...talvez 40 raparigas, entre os 18 e os 20. E depois tínhamos um ‘manajeiro’ para tomar conta da gente, prá gente se portar bem, porque era a idade em que a gente não se queria portar bem. E então íamos longuíssimo, andávamos 3, 4 quilómetros pra ir às 2 da manhã ceifar o trigo. E tínhamos aquele ‘manajeiro’ e a gente tinha que ir ali...a ceifar porque depois havia muito calor. Por isso é que estão sempre a dizer que os alentejanos de tarde estão a dormir. Ninguém aprecia o que a gente sofria. Eu fui multada a essa hora por ir a cantar na vila. Andei a semana inteira a ceifar para ir pagara ao posto a multa. Estava a incomodar os senhores que estavam a dormir. Porque a gente no Alentejo desta idade tínhamos muito alegria mas sofríamos muito, muito muito muito. Era o calor, eu e outra rapariga íamos buscar a água a um poço ‘pa dar de beber aos outros. A água parecia caldo, muito quente, ‘tava muito calor. Mas quem sabia cantar levava a vida a cantar. A gente ás vezes até dormia debaixo dos molhos do trigo e quando estávamos ali a descansar deitávamos-nos um bocadinho e dormíamos ai, à sombra do trigo. A gente se estivesse muito cansada, se deitasse ali até dormia. Eu fico triste por chamarem preguiçosos aos alentejanos, mas as pessoas não sabem o que a gente passou no Alentejo. Já viu o que é a gente levantar-se às duas da manhã e ir uns 3 / 4 quilómetros para chegar antes do sol nascer pra começarmos a ceifar porque o trigo com o calor, não dá para a gente o ceifar, parte.’
---- Maria Ana, 83 anos
